quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A chapa branca é fria


Dizem que nós realmente só compreendemos algo quando sentimos os efeitos que os eventos causam. Não seria, então, questão de saber ou aprender um assunto. Para dominá-lo é essencial senti-lo.


Apesar de haver quem defenda que as diferenças culturais não são assim tão importantes nas relações, é preciso ter consciência de que quando fazemos um gesto, desencadeamos um sentimento, que pode ser muito profundo em alguns casos, mesmo que inconscientes.


Você prepara um plano de negócio com cuidado, elabora relatórios detalhados, faz uma arte requintada, junta tudo com cuidado para não esquecer de nada e entrega em mãos a um possível parceiro chinês dentro de um lindo envelope branco. Pensamento positivo para que dê tudo certo. Mas o que sentirá seu interlocutor ao se ver em frente do tal envelope branco?


No evento organizado nesta semana pela Junior Chamber International Brasil China, Willian Lin disse em palestra que deve ser completamente evitado entregar a um chinês um envelope branco, pois o branco é a cor do luto para o chinês com todos os sentimentos de perda que isso envolve.


Não é possível imaginar como cada um reagirá em uma situação como essa, mas nesse caso é melhor não deixar espaço para riscos. Vale o mesmo para papéis de presente. O chinês tem hábito de dar presentes para agradar o interlocutor, mas mesmo que para nós seja requintado usar um papel todo branco, para eles não pega nem um pouco bem. Willian Lin recomenda o uso da cor vermelha em ambos os casos.


Bandeira branca, então, só se forem os golfinhos pré-históricos que habitam o rio Yangze. É tudo muito diferente e é preciso assimilar essas diferenças da forma menos traumática. Pode parecer besteira, mas nem eles iam querer um blog chapa branca.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Pequenos gestos, grandes negócios


É incrível como pequenos gestos podem ter enormes conseqüências no nosso cotidiano, mas principalmente quando se trata de uma relação de confiança. Quando está sendo desenvolvida com um chinês, então, a atenção a detalhes aparentemente sem importância podem ter desdobramentos incríveis.


A última história que ouvi nesse sentido foi contada ontem por Robert Wong, que "esteve" (como ele prefere) presidente da "Korn/Ferry para o Brasil e é considerado um respeitadíssimo "headhunter", a ponto de ter virado caçador de caça-talentos, classificado pela revista "The Economist" como um dos 200 mais destacados headhunters do mundo e autor do livro "O Sucesso está no Equilíbrio" (ed. Campus).


Wong (rei no dialeto de Nanquim enquanto em Pequim seria Wang), abriu sua palestra ontem, para a Junior Chamber International, contando a história.


Quando se está em uma refeição com chineses, é apropriado você se servir e também servir quem está ao seu lado com seu próprio kuài zi (palavra chinesa para o hashi - em japonês - ou os pauzinhos - em português).


Ao seguir recomendação sua, um amigo dele tomou um cuidado especial ao servir quem estava ao seu lado. Comia, então levava à própria boca o seu kuài zi. Se serviu do que desejava e, antes de servir seu vizinho, virou os palitos ao contrário, evitando assim tocar a comida do outro com a parte que havia levado à boca.


Segundo contou, o anfitrião teve uma reação completamente inesperada: ao ver aquela deferência, se levantou e se curvou à sua frente, em um gesto rígido de agradecimento por sua educação, o que deixa duas lições: a primeira é que quando você for convidado para uma refeição, o anfitrião estará sempre de olho no que você faz, mas não se intimide; a segunda, que virar o kuài zi ao servir o companheiro de mesa é um sinal de refinada educação.


Podem achar que não, mas conhecer detalhes da cultura chinesa facilita muito a aproximação com eles.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O lóng e a fèng


Como canta Jorge Benjor, "Roberto, corta essa, porque lugar de dragão é na caverna... Você trocou uma princesinha, uma princesinha, pelo dragão" É mais ou menos assim que no Brasil se referem a um dragão. É fácil entender os possíveis choques culturais.
Em um casamento chinês são colocados sobre as mesas ideogramas ou imagens de um lóng (dragão) e uma fèng (ave parecida com o pavão), simbolizando a força e a beleza। O dragão é um animal sagrado na China, símbolo máximo do imperador, que levou os chineses a se considerarem os filhos do dragão.
Fico imaginando como foi a recepção, após três mil anos de história, ao Novo Testamento, que no capítulo 12 do livro do Apocalipse, tem 12 citações sobre um dragão, "grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas", "que se deteve em frente da mulher que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse" O dragão era o diabo, pronto para devorar Jesus Cristo.
Atualmente, a igreja católica oficial no país é a Associação dos Católicos Patriotas da China, que fundou a Igrja Católica Patriota. Para entender um pouco da relação entre a igreja católica e a China indico o artigo do jornalista Jayme Martins, que ficou 20 anos no país como correspondente internacional.
Dizem que foi por culpa dele que agora um correspondente estrangeiro só pode ficar cinco anos na China. É o que dizem. O artigo é uma aula sobre diversos assuntos.

As faces do Dragão


Os renomados economistas Luiz Carlos Mendonça de Barros, Paulo Pereira Miguel, da Quest Investiments, e José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, escreveram um artigo especial para o jornal "Valor Econômico", publicado em 12 de novembro último, intitulado "As três cabeças do dragão".

Segundo eles, "entender a questão chinesa é fundamental para quelquer planejamento estratégico, no nível empresarial ou nacional", o que não é pouca coisa. Entender a questão chinesa.

Ao dizerem que é uma missão que fica mais difícil a cada dia que passa devido à velocidade das transformações por que passa com a rápida urbanização e sugeriram ver a questão como um dragão de três cabeças, sendo a primeira "a que devora vorazmente quantidades antes inimagináveis de energia, matérias-primas industriais e, cada vez mais, commodities"; a segunda, "a que produz bens manufaturados em elevada escala e com baixo custo... que causou uma deflação global que apenas agora começa a perder força"; e a terceira, "a mais recente... que representa a população da China como grande consumidora global..., ( já que) a incorporação de dezenas de milhões de pessoas ao ano no mercado de trabalho e o rápido crescimento da renda per capita indicam que a Chinha como mercado consumidor é uma realidade cada vez mais próxima".

Gráficos ilustravam características técnicas do desenvolvimento da economia a partir de aspectos como consumo de energia custo unitário do trabalho, destino das exportações (ascendente para América Latina, África, Rússia e Índia e descendente para EUA), PIB etc.

A conclusão do trio, quase uma consultoria, é que "os perfis da nossa indústria e da economia vão mudar, mas não haverá desindustrialização. O que poderá haver são oportunidades perdidas". Indicam que se tenha uma visão ampla dos desafios e oportunidades e que se olhe para o futuro.

No final de outubro assistir a uma palestra do Consul Geral da República Popular da China em São Paulo, Sr. Sun Rong Mao, que tratou basicamente de intercâmbio cultural, mas em sua contextualização, dividia os momentos da China também em três após 1978: até 1980, com a concentração na política econômica, criação de Zonas Econômicas Especiais; de 1981 a 2001, quando se pode constatar a velocidade no desenvolvimento econômico, com alto consumo de matérias primas, "pelo menos duas vezes maior que a dos Estados Unidos e do Japão porque nossa tecnologia não é tão avançada, mas agora buscamos sustentabilidade, que é fundamental"; e a partir de 2002, no qual "avançamos na teoria do crescimento científico sustentável. Estamos construindo uma sociedade hamoniosa, com construção política, econômica e social".

A visão oficial do país, do Consul Geral a universitários de letras da USP. Só no momento em que abriram para perguntas me identifiquei como jornalista, para fazer a minha pergunta. Antes, o Sr. Sun Rong Mao disse que a China é a terceira portência econômica em volume de negócios, que "agora, avaliamos no que os estrangeiros são bons. Os Estados Unidos e a União Européia passam por estagnação econômica, têm problemas. Isso indica que o capitalismo não resolve todos os problemas. Só usar o sistema capitalista não resolverá. Por isso, estamos acançando no capitalismo com características chinesas." E foi enfático: "Trata-se de uma experiência de grande sucesso", disse em português de Portugal, que ao comentar fez rir sua platéia, que já havia percebido o forte sotaque lusitano.

Destacou os números que achou apropriado para mostrar a eficiência do país, dizendo que buscam uma sociedade modestamente abastada: segundo ele, em 1979, o PIB per capita era de 200 dólares (um forte indicador de que estamos falando de um país muito pobre) "e o sonho, na imaginação do chinês, era chegar ao final do século 20 com um PIB per capita de 800 dólares, o que alcançamos em 1998".

Segundo o Consul, foi determinado um plano para em 2000 ter PIB de 1.000 dólares; em 2010, 2.000 dólares e até 2020, 4.000 dólares. E ressaltou: "Em 2006, chegamos a 1.974 dólares. Para isso, teremos de abrir mais a porta e fazer uma reforma política."

A "porta"? Havia dito no ínício da palestra que "capitalismo e socialismo são muito contrários. É preciso ter cuidado para abrir a porta".

As portas estão se abrindo, mas o que cada um vê? A palestra foi encerrada pouco depois que um ativista político fez uso da palavra para pedir que posse interrompida o que consideram uma perseguição política. Inclusive recebi cópias de um livro, que ainda não consegui ler.

Como poucos dias antes este blog já foi chamado de "chapa branca" por em 25 notas não ter criticado a pena de morte na China, pensei muito a respeito, mas ainda não tenho um posicionamento, a não ser o meu pessoal de ser contra a execução de pessoas, principalmente por órgãos do governo, apesar de ouvir argumentos como "mas e quem estupra, mas e quem rouba compulsivamente e não se regenera?"

Agora, como me posicionar em relação à clara determinação dos revolucionários líderes do povo chinês, que exigem autonomia para governar e não aceitam qualquer tipo de questionamento em relação ao que fazem da porta para dentro, não sei ainda. Pretendo aprender e por isso, também, resolvi começar este blog.
Para aprender, no dia 14 fui à FAAP, assisitir à palestra de Guy Sorman, autor de "O Ano do Galo - Verdades sobre a China", sobre o ano de 2005 "quando a China passou por um enorme número de insurreições: revoltas camponesas, sublevações religiosas, greves operárias, petições de militantes democratas, movimentos ecologistas", segundo o material de divulgação da palestra. Sorman, canadense, em inglês, se apresentou como democrata liberal e iniciou sua exposição comentando como o governo chinês está se especializando em relações públicas, na qual investe muito, inclusive com os Jogos Olímpicos, o que faz com que "lendo jornais de qualquer país, só se vê boas notícias": "Eu serei mais equilibrado", disse ele para enquanto iniciava falando de sua visão da China que para ser forte quer ser útil, sendo um núcleo de atividades.

Para Sorman, "os chineses não controlam o mecanismo deles, pois se Estados Unidos e a Europa deixarem de comprar, eles não se mantêm".

Para Sorman, "os chineses não controlam o mecanismo deles, pois se Estados Unidos e a Europa deixarem de comprar, eles não se mantêm". Mesmo assim, ele conta, para 300 milhões de chineses, com moeda forte, educação e saúde, nunca se viveu melhor no país.
Sorman contou que viveu no interior da China e que lá a pobreza é diferente, pois na Índia vivem em certa integração. "São pobres, mas têm direitos não econômicos. Disse que na China não podem se expressar, não podem viajar nem ter atividade religiosa, se não for ligada ao Partido Comunista, que só permite a um casal ter seu segundo filho se o primeiro for uma menina, mas, segundo ele, infelizmente, mil revoltas não fazem uma revolução. O povo só se revolta porque a mulher foi estuprada por um líder do partido ou porque estão confiscando a minha terra para construir uma casa para o líder do Partido Comunista."

Sorman acredita que "o sistema de exploração das pessoas pobres é estável. É uma combinação peculiar de sistema comunista e capitalista e enquanto o mundo não recusar as distorções do sistema comunista, não haverá o que mudar. Como consumidor, tenho interesse direto na produção na China, assim como os brasileiros. Há quem queira boicotar o consumo de produtos da China e os Jogos Olímpicos, mas digo que não porque o chinês é orgulhoso de sua renascença econômica. Temos de fazer a mesma separação da União Soviética das décadas de 60 e 70: separar as pessoas do sistema." Para depois encerrar: "Eu não gosto de ser manipulado pela propaganda do partido chinês. Sou anti-partido, mas não anti-chinês", disse Guy Sorman.

Faces diferentes vistas por óticas diferentes, mas na USP, a Cônsul Geral também foi claro ao falar sobre a pena de morte ao ser questionado pelo ativista político, que sinceramente não me lembro se identificou-se. "A pena capital está prevista na constituição. E vou usar um ditado português para explicar: "Com ferro mata, com ferro morre."
Há muito a ser compreendido.